quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Procura-se um coração vermelho, grande e pulsante. A última vez em que foi visto estava batendo no peito de Dona Genoveva. Ela deu um suspiro e ele se foi, não se sabe para onde, simplesmente, sumiu. Quem o encontrar diga que Dona Genoveva esta rindo de novo. E diga que ela estará esperando por ele na casinha amarela com janelas brancas ao lado do riacho dos grilos cantantes.
Maria Luiza mudou há pouco tempo, para um prédio antigo que fica no centro da cidade. Os seus vizinhos de porta são um casal de velhinhos que a cada dia contam histórias sobre os moradores: "...Dona Esmeralda tem um gato, Justino, que adora assistir novelas, sabe o horário de cada uma, e senta no sofá feito especialmente para ele. Seu Eugênio fica perambulando na madrugada pelo prédio a procura de algo. Dizem que procura um tesouro que seu avô deixou guardado nas paredes manchadas do edifício Constância, em noite estrelada sobe para o terraço e recita seus poemas "sensuais". Os meninos, pré adolesentes e os tarados de plantão, sobem atrás, porque sabem que a cada estrofe é uma peça de roupa jogada ao vento. Afrânio tem uma cobra de estimação, ela fica pendurada na janela do banheiro tentando entrar no apartamento do lado para pegar o ratinho de estimação do Robertinho. Dona Eufrásia tem um cachorro e um pássaro, sempre, quando o sol esta se pondo, eles começam uma serenata para o dia que esta partindo ...". Maria Luiza ainda não os conhece, mas sonha em montar um vídeo com a vida destas personagens. Ah! Lu, dirige curtas e esta a procura de textos novos, histórias desconhecidas, contos mirabolantes. Ela ainda tem tempo, e pelo visto, o edifício é uma excelente oficina de idéias.
O mundo parou quando Maitê gritou. Ela estava dentro do trem e queria descer para pegar a única margarida do jardim da última estação, que fica na última cidade, antes de chegar na sua cidade. Lembrou da mãe que tem o mesmo nome da flor. Esta indo visitá-la, bateu saudade. O trem parou, ela desceu e correu em direção a flor. Da janela todos viram Maitê arrancando a margarida e a colocando num vidro de geléia vazio. De volta ao trem, ao colocar água no vidro, percebeu a visita de uma joaninha na flor. Delicada, fez com que o inseto vermelho de bolinhas pretas andasse até a ponta do seu dedo indicador. Já sentada, com a margarida no colo, abriu a janela colocou a mão para fora e a joaninha voou. Ainda olhando para fora, pediu para Deus, que a joaninha encontrasse uma outra margarida bonita igual a que ela estava levando para mãe. Pois a joaninha não podia ficar naquela a flor. A flor já tinha uma dona. Dona Margarida.
Amélia saiu do barracão com o brilho nos olhos, um sorriso largo na boca e se sentindo nas nuvens. Chegou em casa e contou para a mãe como era a sua fantasia, a primeira, feita especialmente para a sua estréia no Sambódromo. Seis anos, Amélia tinha apenas seis anos e com um vestido rodado, de bordado com linhas brilhantes, sapatilhas e mais alguns badulaques na cabeça, Amélia não parava de falar da fantasia e aproveitava e mostrava os passos que ficou ensaiando para desfilar na avenida. Sonho da sua avó, Dona Clementina, uma das vovós mais famosas da ala das baianas, de bengala na mão ainda mostrava todo o gingado de uma sambista apaixonada pela avenida. Ela sempre disse que não ia perder o dia em que sua primeira neta entrasse sambando na avenida, não deixando assim, uma tradição de anos acabar. Antes de pegarem o caminho para a Sapucaí, Dona Clementina levou a neta para ver o mar. Lá jogaram rosas brancas bem cheirosas para Iemanjá pedindo a sua proteção. Mais tarde, estava Amélia de seis anos, toda linda e cheia de purpurina, na avenida, comissão de frente da escola verde e rosa. Ela e mais cinco crianças misturavam passos de balé com o velho e bom samba. Viu sua mãe, mas não podia dar um tchau, então abriu ainda mais o sorriso e no meio da coreografia arranjou um jeito de baixar a cabeça, como um gesto de agradecimento. A mãe vendo aquilo, orgulhosa disse para o vento com o propósito de chegar aos ouvidos de Amélia: - A bailarina dos olhos de jabuticaba é minha filha! Te amo minha preta! E foram dançando pela Sapucaí, neta e avó, deixando os rastros de suor de uma vida dedicada ao samba e a emoção da raiz nova que continuará a proteger o samba e guardando sempre no coração.
Maria conheceu José que conheceu Antônia que conhece Manoel. Maria se encantou por Manoel que já era encantado por Antônia que não gostou nada, nadinha de nada do papo de José. José comprou flores para Antônia que rejeitou por causa dos espinhos e que aceitou a caixa de bombom de Manoel que fugiu de Maria na loja de doces. Maria estava completamente maluca por Manuel que deu o primeiro beijo em Antônia que estava sendo observada por José. José chorou perto da ponte por causa de Antônia que conversou com Maria que mostrou língua para Manoel que este não entendeu nada. Maria se aproximou de José que notou seus pés e lembrou dos pés de Antônia que combinavam com os pés de Manoel. José gostou de Maria que não gostava mais de Manoel que casou com Antônia e tiveram quatro filhos. Manoel ainda passeia no parque com Antônia que viu José deitado na grama com uma flor na mão que passeava pelos pés de Maria.
Seu cheiro esta no travesseiro do quarto.
Seu cheiro esta no puff amarelo da varanda.
Seu cheiro esta nas almofadas do sofá da sala.
Seu cheiro esta em cada pedaço desta casa.

Seu beijo esta na minha boca.
Seu beijo esta nos meus olhos.
Seu beijo esta na ponta dos meus dedos.
Seu beijo esta em cada parte deste corpo.

Sua lembrança esta nos recados deixado no espelho embaçado.
Sua lembrança esta no cheiro do porta incenso do lado da cama.
Sua lembrança esta no porta retrato, ainda guardado dentro da gaveta, tentando entender se você "é mesmo tudo aquilo que me faltava".
- Pai, o balão está do outro lado da rua!
- Minha filha, pode desistir, este já pertence ao azul do céu. Eu compro outro.
- Mas pai... -
Julinha, então, pede para São Longuinho!
- São Longuinho, São Longuinho se você mandar meu balão colorido para cá, dou três pulinhos! De repente, Júlia olha para o céu azul e suas nuvens brancas, e observa que uma delas estava se transformando em uma mão, e com a ajuda do vento, a nuvem-mão deu tapa no balão que foi para o outro lado da rua, o lado que estava a Júlia. Júlia com um sorriso espantado no rosto viu o balão se aproximando e cutucou o pai para pegá-lo.
- Julinha - entregando o balão para filha - dá o endereço deste seu São Longuinho, o meu não é tão eficiente assim.
- O seu deve estar muito velhinho, e não tem mais tanta imaginação como o meu. Mas vou ver se ele tem um lugar para você na agenda. Agora dá licença! E saiu dando seus três pulinhos com o balão preso no braço.